
RIO - O Brasil é um país de tantas diferenças econômicas e sociais que qualquer iniciativa que vise reduzir o chamado vão social e promover a cidadania é bem-vinda, o que torna projetos de inclusão digital extremamente necessários, reconhecem especialistas em tecnologia da informação. Mas quando o assunto é promover a inclusão social de indivíduos carentes e desassistidos através do uso de computadores e da internet, ainda é preciso superar desafios como o despreparo técnico e a tendência ao assistencialismo. Foi o que avaliaram consultores de tecnologia da informação e executivos durante as celebrações da chamada Semana da Inclusão Digital, evento anual promovido nos últimos dias em mais de dez estados brasileiros pela ONG Comitê pela Democratização da Informação (CDI) e que tem como ponto auge o Dia da Inclusão (sábado, 29).
Em um breve balanço sobre os projetos de inclusão digital existentes no país, a empresária e consultora em tecnologias Marcya Machado reconheceu que existem iniciativas exemplares de telecentros e de projetos de inclusão digital, mas na maioria delas há apenas a oferta de computadores com acesso à internet e nenhum resultado prático nem de longo prazo para a comunidade local. Segundo a especialista, por mais óbvio que possa parecer, muitos telecentros e pontos de acesso público à internet, por exemplo, não consideram fundamental o treinamento de professores e profissionais que lidam com as comunidades em que estão inseridos os projetos.
" Muitos projetos têm computadores lindos, mas quem vai ensinar o jovem a lidar com isso? (Marcya Machado) "
Outro equívoco comum aos programas de inclusão digital é a ausência de planos que ofereçam perspectivas reais de futuro àqueles que estão usando o computador ou a internet para buscar uma inclusão social efetiva. Dados divulgados na segunda quinzena de março pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC) revelam que 59% da população brasileira nunca utilizou a internet, o equivalente a mais de 77 milhões de pessoas desconectadas.
- Muitos projetos têm os jovens e crianças como foco, computadores novos, lindos, mas e quem é que vai ensinar a lidar com isso? Hoje um professor de uma comunidade carente faz muito mais do que dar aula. Ele educa, faz o papel do pai ausente. Jovens carentes de favelas já encontram lan houses em que pagam R$ 1 para usar o Orkut ou bater papo. Isso já existe. Acredito em telecentros que promovem, de fato, mais qualidade de ensino e que oferecem oportunidades efetivas de trabalho para jovens carentes em áreas remotas, em que se ensina a usar o computador e a mexer em aplicativos como preparo para o mercado de trabalho - afirmou a especialista, que preside o Comitê de Tecnologia da Brukcham - Câmara de Comércio, Indústria e Serviços Brasil-Reino Unido.
" Hoje a inclusão digital é prioridade mundial, mas é preciso evoluir do modelo assistencialista para o sustentável (Rodrigo Baggio) "
Dos erros e acertos presentes em projetos de inclusão digital, o fundador e diretor do CDI, Rodrigo Baggio, já viu muitos desde que se envolveu pela primeira vez com o uso do computador na promoção da inclusão social no Brasil, há 15 anos. Segundo Baggio, entretanto, um dos principais desafios de quem trabalha com projetos de inclusão digital no país é superar a visão assistencialista, comum a programas de governos, de empresas e de ONGs que acreditam que basta doar computadores e conectá-los à internet em banda larga.
- Não dá para criar telecentro de graça. Mas isso não é uma exclusividade de empresas nem de governos brasileiros. Esta visão da inclusão assistencialista é majoritária tanto em países desenvolvidos como em países em desenvolvimento. É importante ficar claro que é uma vitória vermos hoje que a inclusão digital é prioridade na agenda mundial, mas é preciso evoluir do modelo assistencialista para o sustentável - cobra o especialista.
(Para saber mais, ouça entrevistas com Rodrigo Baggio, fundador do CDI, e com a apresentadora Xuxa, que falam sobre a campanha de "Uso responsável da internet").
Segundo Baggio, um programa de inclusão digital deve ter autonomia financeira real, ou seja, planejamento para ser capaz de sobreviver à existência ou não de agente financiador, e deve estar envolvido com a realidade daquela comunidade. "Não é a técnica pela pura técnica", comenta o executivo, ao destacar que um projeto deve ser sustentável como modelo educacional, e oferecer liberdade ao indivíduo como um cidadão capaz de evoluir a partir do contato com a tecnologia.- O computador e a internet devem servir como ferramentas de libertação do indivíduo, de autonomia do cidadão. Inclusão digital sustentável é ter um modelo em que às pessoas da comunidade possam ser os gestores e os educadores, e esta apropriação de gestão deve gerar autonomia. É ter um modelo de acompanhamento contínuo de resultados, avaliação de impacto social e de capacitação e isso é fundamental para gerar projetos com continuidade real. Quando a gente pensa efetivamente de forma global, a inclusão digital gera resultados rápidos e impactantes de inclusão social - finaliza.
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